terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Apenas um Conto...

           
               Nove e treze! Estava atrasada! Marcara de assistir “Dúvida” com ele na Estação Botafogo as nove e meia e ainda estava em seu apartamento em Icaraí. Pegou as chaves, trancou o apartamento  e enquanto esperava o elevador, o telefone começou a tocar.  Tocara enquanto estava no banho, enquanto trocava de roupa e agora mais uma vez, mas preferiu deixar de lado, pois Jorge odiava os seus atrasos.
                No espelho do elevador ajeitava a maquiagem, passava o batom vermelho que ele tanto gostava, enquanto ao fundo o tocar do aparelho morria.
                - Alô? Mariana? Estou desde cedo ligando para o apartamento! Seu celular está desligado. Onde você estava? O que houve? – Jorge jogava as palavras sem tempo para as respostas.
                Era enfermeiro, mas com porte de Doutor (ela sempre dizia) e naquela sexta-feira, precisou trocar de horário com um amigo que estava passando mal. Desde cedo tentou falar com ela para avisar que não poderia ir ao cinema, mas seu celular estava desligado e em casa não atendia.
                - Oi, tudo bem? Educado como sempre NE? Meu telefone descarregou pela manhã, fiquei na escola até as seis e depois passei na minha mãe antes de vir para casa, mas o que houve?
                - Mariana, eu troquei de turno com o Rafa e não vou poder sair, por isso estou te ligando esse tempo todo.
                - Não acredito Jorge, sabe há quanto tempo não saímos?
                - Desculpe meu amor, mas eu tinha essa dívida com ele.
                - Jorge, faça o que quiser, mas não me apareça aqui tão cedo.
                Estavam juntos há três anos e sentiam-se casados em casas diferentes. Ele tinha o apartamento dele, ela o dela e ambos tinham as chaves dos dois.
                Enquanto estava no hospital, resolveu passar em uma locadora, dessas que fecham a meia noite, pegou um filme que ela queria ver a tempos, passou numa adega, comprou o vinho que ela gostava e chegaria de madrugada no apartamento dela para tentar se redimir. Na pior das hipóteses, ela o mandaria ir embora e ele iria para o apartamento dele.
                Duas e trinta e dois, marcava o relógio da sala quando entrou na ponta dos pés e foi até o quarto. Mariana dormia. A camisola branca, quase sem contraste coma sua pele, deixava a mostra parte dos seus seios e por alguns segundos ficou ali, escorado na porta do quarto olhando aquela mulher, que para ele, não existia mais linda.
                Deitou-se de frente para ela e o sono que já estava leve, perdeu-se com um beijo. Ele esperava uma cara feia, alguma discussão, mesmo àquela hora, porém surpreendeu-se com um olhar terno e um afago em sua barba.
                Não precisou de palavras para se entender, o que sentiam falou mais alto. Ele se perdeu no corpo dela e ela se encontrou no seu.
                Uma garrafa de uísque quase no fim e uma arma em cima da mesa. Esses objetos eram focados por um enfermeiro com porte de Doutor perdido em seus devaneios. Não conseguia deixar de pensar no que poderia ter ocorrido caso ela tivesse atendido ao telefone,  se tivesse conseguido falar com ela, se pudesse ter impedido de ir se encontrar com ele.
                Mariana jamais atendera aquela ligação, descera no elevador, pegara o carro e fora em direção a Botafogo como havia combinado com ele. Na saída da Ponte Rio-Niteroi, enquanto tentava pegar o celular na bolsa para avisar que estava chegando, sem lembrar-se de que o celular estava descarregado, perdeu a direção do carro, que se chocou contra a mureta e foi atingido por outro na direção do motorista.
                Jorge saindo do hospital, fora à casa de Mariana (sem o vinho e sem o filme, esses nunca foram comprados). Ao chegar de madrugada no apartamento e não encontrá-la, ficou buscando qualquer lógica que pudesse justificar a sua ausência; uma traição, até poderia estar numa boate, na casa da mãe, jogada no meio da rua, de novo traição, etc.
                Todas as justificativas eram falhas, não comprovava nenhuma das suas suposições e assim passou a noite em claro esperando que a porta da sala se abrisse a qualquer minuto. Acordou com o sol rompendo a cortina da sala, foi até o quarto e não a viu.
                Já em seu apartamento, o telefone tocou. Era o seu cunhado aliviando suas angústias e lhe a dor da morte. Mariana estava morta, soube o que acontecera, que com o impacto ela morrera na hora e desde então se achava culpado pelo ocorrido.
                O uísque havia acabado e a arma estava engatilhada. Achava o correto apertar o gatilho contra o céu da boca. Contou, um... Dois... A foto na estante dos dois juntos fez com que caísse em sua desgraça mais uma vez. Levantou, pegou o portarretrato, admirou aquele sorriso que jamais veria outra vez e deitou-se no sofá.
                Deitado e querendo que tudo não passasse de um sonho, pedia para que terminasse a dor que não dependia de medicamentos. Com a arma ao lado e o portarretrato na mão, ficou ali até a coragem aparecesse para tirar sua vida ou até que a dor cessasse e aprendesse a viver sem Mariana.
              

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